Fichamento: "Como as crianças pensam e aprendem", de David Wood

WOOD, David. Como as crianças pensam e aprendem. Trad. Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 1996.


Neste livro, David Wood faz um apanhado das principais teorias acerca de como se dá o desenvolvimento intelectual, cognitivo e linguístico das crianças (Piaget, Vigotski e Brunner).


"Piaget considera que o essencial ao desenvolvimento da inteligência são as ações e as operações constituídas através delas, e não a linguagem. Vigotski adota um ponto de vista um tanto diferente: afirma que as origens desenvolvimentais da linguagem e do pensamento são distintas. Embora concordasse com a ênfase por Piaget dada à importância da atividade como fundamentos da inteligência prática, Vigotski afirmava que, por volta dos três anos de idade, a linguagem se une ao pensamento não verbal para formar as bases do desenvolvimento do raciocínio verbal e da auto-regulação. A partir dessa idade, a linguagem começa a desempenhar papel fundamental, formativo, no desenvolvimento intelectual." (p.308)

"Brunner afirma que a instrução é um pré-requisito necessário para que as atividades espontâneas da criança se transformem em pensamento simbólico, racional. Ele partilha da opinião de Piaget, segundo a qual a ação é ponto de partida para a formação do pensamento abstrato e simbólico, mas não concorda co ma noção de que a criança, antes de atingir um determinado nível, seja incapaz de entender as relações conceituais entre a atividade prática e níveis mais abstratos de pensamento." (p.311, grifo do autor)



* PRINCIPAIS PONTOS RELACIONADOS À PRÁTICA DOCENTE:*


1. De como 'corrigir' os alunos

"A criança diz á mãe algo que esta acha ambíguo ou obscuro. Como a mãe reage? Ela pode perguntar à criança: 'Qual...?' ou 'Você quis dizer x ou y?', em outras palavras, ela faz perguntas para tentar esclarecer o que a crianças disse. Mas ela pode também dizer: 'Não entendi. Não sei se você quer que eu faça x ou y.' [...] Aquelas crianças que maior probabilidade tinham de receber de suas mães um relato explícito de como e por que haviam achado obscuro o discurso da criança eram também as que maior probabilidade tinham de compreender o dilema do ouvinte nos jogos comunicativos. As crianças cujos pais empregavam perguntas para esclarecer e consertar o que elas diziam eram menis capazes de julgar a suficiência da comunicação e, na maioria das vezes, simplesmente culpavam o ouvinte." (p.226, grifo do autor)

OU SEJA: Quando um aluno fizer uma colocação ambígua/errada, ao invés de corrigi-lo através de uma pergunta, esclarecer como você compreendeu o que ele disse.



2. De como desenvolver ideias nos alunos


"Perguntas frequentes e específicas tendem a produzir crianças relativamente silenciosas e a inibir todo e qualquer debate entre elas. O fato de contar coisas às crianças, apresentar uma opinião, concepções, especulações ou ideias estimula mais a fala, as perguntas e as ideias dos alunos, além de produzir debate entre eles." (p.242)

"A fala em sala de aula é tipicamente controlada por perguntas feitas pelo professor e que exigem respostas rápidas, concisas e factuais, deixando pouco tempo para que as crianças respondam, desenvolvam o tema ou raciocinem em voz alta. Talvez isso explique, ao menos em parte, o fato de algumas crianças não aprenderem a expressar as próprias ideias, formular os próprios pensamentos ou dizer o que sabem. Além disso, se é o professor que faz as perguntas, é ele quem determina o curso dos acontecimentos; aquilo sobre oque se deve pensar, e quando. Devemos perguntar-nos se isso confere aos alunos alguma oportunidade de planejar, regular, raciocinar e explicar-se." (p.245, grifo do autor)

OU SEJA: Traga ideias (ao invés de perguntas) e deixe que as ideias - e perguntas! - dos alunos surjam naturalmente, sem que eles se sintam "pressionados" a pensar.



3. Da importância da leitura 


"A linguagem e a cognição se fundem no raciocínio verbal. Os problemas de compreensão, que surgem porque a criança ainda não dominou certas características específicas do uso e da estrutura da linguagem, atuam como um obstáculo à aprendizagem e ao entendimento. Faltando-lhes a perícia nos processos de criar relatos coerentes, 'desincrustados' ou 'descontextualizados', daquilo que sabem e compreendem, as crianças podem aparecer como intelectualmente incapazes quando, na verdade, ainda estão lutando com o problema de se fazer entender pelos outros. Este processo leva tempo e suscita muitos desafios para alunos e professores." (p.247)

"Existem relações entre capacidade de ler e escrever e a capacidade de raciocinar logicamente a partir de hipóteses. Os indivíduos provenientes de culturas sem escrita e que já se submeteram a estudos, por exemplo, não dão mostra de raciocínio formal. A maioria das crianças portadoras de surdez grave [...] chegam a resolver problemas operatórios formais - isto é, problemas que envolvem ideias abstratas ou hipotéticas [...] [para David Oslon (1977), por exemplo] aprender a ler e a escrever com fluência é o que torna possível a realização da lógica dedutiva, assim no indivíduo como na cultura." (p.252, grifo do autor)

"O fenômeno do 'foco final', denominação dada a nossa tendência de enfatizar os elementos finais da oração, combinados à ausência de sinais prosódicos substanciosos na linguagem escrita, criam a necessidade de toda uma série de dispositivos gramaticais escritos que não são necessários na fala. O fato de as crianças pequenas não usarem com frenquência nem entenderem facilmente certas formas gramaticais (como a voz passiva como agente) não devem, portanto, ser motivo de grande surpresa. Tais construções só se tornam realmente funcionais quando a criança aprende a ler e a escrever." (p.288, grifo meu)

"Dados referentes aos efeitos das condições do lar para o desenvolvimento da leitura nas crianças demonstram que o acesso à leitura nas crianças demonstram que o acesso a livros em casa e a experiência de ouvir regularmente alguém ler são indicadores positivos de um progresso provável. Talvez o fato de não costumarmos ler textos acadêmicos para as crianças faça com que elas não desenvolvam uma ideia intuitiva de como essas coisas soam. É possível que, se elas a desenvolvessem, isso colocaria em movimento processos de auto-instrução, no sentido de trabalhar para chegar a um objetivo intuitivamente reconhecível." (p.300, grifo do autor)

OU SEJA: A operações abstratas da língua - construção argumentativa através da lógica dedutiva - não são naturais a qualquer falante. Pelo contrário, a especialidade escrita da língua inclui diversos saberes convencionais para uma adaptação da linguagem àquele meio, portanto, é justamente através deste meio, a escrita, que se aprimoram e se desenvolvem as capacidades abstratas da linguagem no falante.  


4. Da importância da reescrita

"O escritor eficiente deve agir ao mesmo tempo como emissor e receptor da comunicação. Não é de admirar, então, que as crianças que modificam e corrigem seu texto à medida que escrevem geralmente escrevem de modo mais inteligível e gramaticalmente correto que as crianças que não editam o próprio trabalho [...], a autocorreção é indício de que as crianças estão em processo de auto-instrução para atingir certos objetivos. Elas percebem que aquilo que escrevem pode nem sempre ser compreensível ou legível. Supõem que, pelo simples fato de elas saberem o que querem dizer quando escrevem, as outras pessoas também o saberão. À medida em que vão lendo o que escreveram para avaliar sua previsão e acessibilidade, elas estão 'descentrando' e 'desincrustando' as próprias ideias." (p.276, grifo do autor)

OU SEJA: Para desenvolver a escrita do aluno, é preciso torná-lo também um leitor do seu próprio texto, ao reescreverem seus textos, portanto, são obrigados a, além de relerem suas produções, colocarem-se no lugar do leitor daquilo que querem dizer/dizem. 


5. Duas citações interessantes 


(sobre os jogos de de palavras) 

"A consciência dos vários 'níveis' e funções da linguagem, que se revela nos jogos de palavras infantis, pode ser uma importante preparação para a própria capacidade de ler e escrever. [...] É possível, portanto, que a brincadeira com palavras e jogos de linguagem desempenhem papel importante na codificação dos fundamentos da alfabetização." (p.296)

(sobre alunos ensinando alunos)

"Vigotski também sublinha que as instruções entre crianças desempenham papel importante na transmissão do conhecimento. Segundo sua opinião, as interações beneficiam as crianças quando ela é ajudada por outra que tem mais conhecimento sobre a tarefa em questão. Também a criança dotada de mais esclarecimento pode beneficiar-se, uma vez que o processo de tornar as próprias ideias mais explícitas e externas torna mais claro e objetivo o entendimento daquilo que ela já sabe. [...] No entanto, observações sistemáticas de crianças trabalhando em grupo na sala de aula, indicam que as vantagens que se verificam em laboratórios raramente aparece na escola. [...] Sem dúvida, é teoricamente possível que se possam obter maiores oportunidades de aprendizagem mediante a resolução cooperativa de problemas; para ter êxito, porém, essa abordagem exige técnicas de 'combinação' de crianças, seleção de tarefas e incubências e administração do trabalho em grupo." (p. 381-383, grifo do autor)   

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