ALTAS HABILIDADES / SUPERDOTAÇÃO - Breve estudo

1. INTELIGÊNCIAS

Por muito tempo, acreditou-se que a inteligência era uma capacidade inata, geral e única. A primeira pesquisa sobre a inteligência e possibilidade de testá-la foi feita pelo britânico Francis Galton - primo de Charles Darwin e influenciado por sua Teoria da Evolução - que associava a inteligência ao potencial intelectual atrelado à sensibilidade, energia e capacidade para o trabalho. Em 1921, o alemão William Stern introduziu o conceito de quociente de inteligência, que, mais tarde, deu origem aos Testes de QI, medidores amplamente utilizados até recentemente.

Somente na década de 1980, o conceito de inteligência como fator único foi questionado pelo psicólogo norte-americano Howard Gardner, que, a partir da observação de pacientes que tiveram áreas cerebrais lesionadas, relacionou diferentes tipos de inteligência (ou habilidades) a diferentes partes do cérebro, propondo que tais habilidades não são interdependentes, mas cooperativas. Ou seja, não se trata de uma única inteligência, mas de múltiplas inteligências em um único cérebro, cada uma voltada para o desempenho de determinadas capacidades, não necessariamente relacionadas ou dependentes entre si.

"Gardner identificou primeiramente sete inteligências - linguística, lógico-matemática, cinestésica, musical, espacial, interpessoal e intrapessoal. Alguns anos mais tarde identificou a inteligência naturalista. Ele acredita que as competências intelectuais são relativamente independentes e têm suas origens e limites genéticos próprios e substratos neuroanatômicos específicos; acredita também que cada uma dispõem de processos cognitivos próprios."(Gama, 2006, p.33)

Atualmente, a teoria proposta por Gardner é a mais aceita no que diz respeito ao estudo das inteligências e vem sendo comprovada e confirmada conforme o aprimoramento do estudo do cérebro. Dessa forma, não faz mais sentido falar-se de um aluno inteligente, visto que existem pelo menos seis tipos diferentes de inteligência, e sim em um aluno inteligente em determinada área.

A partir do conceito de Inteligências Múltipas, é possível pensar em atividades que trabalhem de forma diferente cada tipo de inteligência - estimulando especificamente a região cerebral por ela responsável -, investindo em um desenvolvimento completo de todas as habilidades do indivíduo. Algumas pessoas, porém, por motivos ainda não completamente esclarecidos, apresentam um desempenho superior, desde a infância, em atividades relacionadas a certo tipo de inteligência. Tais pessoas são consideradas como tendo Altas Habilidades (AH) ou Superdotação (SD) em determinada área.



2. ALTAS HABILIDADES / SUPERDOTAÇÃO

O conceito de AH/SD é controverso. Assim como existem diferentes definições para inteligência, também há diferentes definições para caracterizar uma Alta Habilidade. 

Para Howard Gardner, 
"[...]crianças superdotadas são aquelas que dispões de alto nível do que ele chama de inteligência de padrão cru, antes de terem sido expostas a qualquer atividade voltada especificamente para o desenvolvimento da inteligência em questão. [...] Segundo ele, estas crianças demonstram, desde muito cedo, o potencial para desenvolver as habilidades ou capacidades de uma das inteligências identificadas por ele." (Gama, p.40)

Assim, compreende-se que a superdotação seria uma habilidade acima da média (em relação à faixa etária e/ou ao contexto social) para uma inteligência, sem um estímulo prévio voltado para tal desempenho.

Da mesma forma, a Política Nacional de Educação Especial alia a Superdotação ao conceito de múltiplas inteligências, e define como portadores de Altas Habilidades/ Superdotados os alunos que: 

"apresentarem notável desempenho e elevada potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos, isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão acadêmica específica, pensamento criativo ou produtivo; capacidade de liderança; talento especial para as artes e capacidade psicomotora." (BRASIL, 1995, p. 17)

A lei ainda caracteriza os tipos de superdotação em:

• Tipo Intelectual – apresenta flexibilidade e fluência de pensamento; capacidade de pensamento abstrato para fazer associações; produção ideativa; rapidez do pensamento; julgamento crítico; independência de pensamento; compreensão e memória elevadas; e capacidade de resolver e lidar com problemas.• Tipo Acadêmico – evidencia aptidão acadêmica específica, de atenção, de concentração, de rapidez de aprendizagem; boa memória; gosto e motivação pelas disciplinas acadêmicas de seu interesse; habilidade para avaliar, sintetizar e organizar o conhecimento; e capacidade de produção acadêmica.• Tipo Criativo – relaciona-se às seguintes características: originalidade; imaginação; capacidade para resolver problemas de forma diferente e inovadora; sensibilidade para as situações ambientais, podendo reagir e produzir diferentemente e até de modo extravagante; sentimento de desafio diante da desordem dos fatos; e facilidade de autoexpressão, fluência eflexibilidade.• Tipo Social - revela capacidade de liderança e caracteriza-se por demonstrar sensibilidade interpessoal; atitude cooperativa; sociabilidade expressiva; habilidade de trato com pessoas diversas e grupos para estabelecer relações sociais; percepção acurada das situações de grupo; capacidade para resolver situações sociais complexas; e alto poder de persuasão e de influência no grupo.• Tipo Talento Especial – pode-se destacar tanto na área das artes plásticas e musicais como dramáticas, literárias ou técnicas, evidenciando habilidades especiais para essas atividades e alto desempenho.• Tipo Psicomotor - destaca-se por apresentar habilidade e interesse pelas atividades psicomotoras, evidenciando desempenho fora do comum em velocidade; agilidade de movimentos; força; resistência; controle; e coordenação motora.
(BRASIL, 2006, p.12-13)

E prevê para tais alunos, um amparo legal para um tratamento diferenciado voltado à
sua excepcionalidade.

2.1. Características e Identificação

Maria Clara S. Gama aponta, para a identificação de uma criança superdotada, a convergência de três características: precocidade ou talento, pensamento divergente (crítico e/ou criativo) e dedicação obstinada a tarefas relacionadas à área de precocidade ou talento. Ela menciona ainda a aptidão da criança para "generalizações rápidas e corretas, aprender símbolos abstratos com bastante rapidez e deduzir relações complexas entre os símbolos, além de terem memória excepcional" (2006, p.58). A criança superdotada também apresenta uma tendência a tomar a liderança, querendo dominar em situações de relação social, bem como insistir em fazer as coisas do seu jeito.

2.2. Questões e sinais de alerta

Como no caso de qualquer outra excepcionalidade, é importante que a identificação da Alta Habilidade/Superdotação seja feita o quanto antes para possibilitar a integração social adequada ao indivíduo que a apresenta, bem como para o aproveitamento do seu alto potencial. A criança superdotada, quando bem estimulada e crescendo em ambientes saudáveis tem o potencial de se tornar um líder ou um profissional expoente na área de seu interesse e alta habilidade. No entanto, se não for estimulada adequadamente, esta criança pode, além de desperdiçar o seu potencial, vir a desenvolver problemas psicológicos - decorrentes de atipicidade - que podem impedi-lo de vir a ser um adulto autônomo e competente.

Portanto, além das características expostas no tópico anterior, que dizem respeito à percepção da Alta Habilidade em si - precocidade e alto desempenho -, é importante que os professores fiquem atentos aos seguintes sinais que indicam uma possível AH/SD:

- Dificuldade nos relacionamentos sociais;
- Dificuldade de aceitar crítica;
- Isolamento;
- Resistência à autoridade;
- Excesso de competitividade;
- Intensidade de emoções;
- Ansiedade;
- Preocupações éticas e estéticas;
- Persistência;
- Perfeccionismo;
- Vulnerabilidade a críticas;
- Tédio em situações cotidianas;
- Hipersensibilidade do sistema nervoso (hiperatividade e distrações).

Os fatores acima citados, além de poderem ser chaves para o diagnóstico de uma AH/SD, também devem ser levados em consideração pelo educador que possui um aluno já enquadrado em tal excepcionalidade, tendo em vista que tais fatores apontam para características muitas vezes apresentadas por esses alunos que podem contar como dificuldades no processo de aprendizagem e no convívio social.



3. INTERVENÇÃO

A Superdotação /Altas Habilidades não é propriamente um transtorno de aprendizagem,
no entanto, devido a ser uma excepcionalidade, a criança com tais características encontra diversas barreiras em seu desenvolvimento, seja decorrente da sua personalidade difícil em razão de uma alto-estima complexa, ou de uma dificuldade de convício devido à discrepância entre ela e seus pares.

No contexto escolar, o aluno com tais características necessita de uma atenção especial, onde, sem uma precaução dos que a monitoram (professores/pedagogos), essa criança pode ser facilmente desestimulada, tanto por não se sentir intelectualmente desafiada quanto por não se sentir adequada como parte de um grupo, o que pode acarretar uma série de problemas em seu desenvolvimento social.

Assim, a intervenção feita com esse tipo de aluno é em busca de dois fatores primordiais: o desafio intelectual constante em sua área de alta habilidade e o estímulo e promoção da  interação social saudável com seus colegas.

3.1. Sobre o estímulo intelectual ao aluno com AH/SD

Apesar daquilo que reza o senso comum, a Alta Habilidade/Superdotação apresenta diversas complicações ao aluno que a apresenta e ao professor deste. O aluno tende a construir uma zona de conforto, e decorrente alta auto-estima, em torno de tarefas que englobam a sua Alta Habilidade, assim ele pode não querer sair dessa zona de conforto, evitando se expor ao fracasso, e não demonstrando interesse para atividades em que ele possa não se sair tão bem - acima da média dos colegas. Cabe portanto ao professor, fazer um trabalho consciente com esse aluno, mostrando-lhe que existem diferentes tipo de inteligência e habilidades e trabalhando sempre a auto-estima complexa dessa criança/adolescente para que ela se sinta confiante e confortável para errar e para se abrir a novas abordagens do conhecimento que não às quais a que ela já está habituada e confortável.

Por apresentarem um alto desempenho em determinadas matérias, os alunos com AH/SD tendem a estar sempre a frente de seus colegas em seu desempenho acadêmico, por tal motivo, a lei permite e prevê a antecipação e o avanço no curso e na série, de maneira que estes alunos mantenham-se constantemente desafiados e sentindo que estão aprendendo algo novo, evitando que percebam o ambiente escolar como "inútil".

Tais alunos também tendem a se entediar facilmente e, devido à alta capacidade de estabelecer relações entre assuntos, a aparentemente dispersar do assunto tratado. Cabe portanto, ao professor, propor atividades de um nível mais alto de complexidade e informação para esses alunos, mesmo que essas não contemplem o currículo escolar, com o intuito de estimulá-los constantemente, aproveitando seu potencial intelectual elevado. Para fazer com que o conteúdo seja mais apropriado para alunos superdotados, o mesmo deve ser mais complexo, mais abstrato, mais variado e organizado de modo diferente. (Gama, 2006, p.93, grifo nosso)

É mister também ouvir o aluno com AH/SD e negociar com ele em relação ao desenvolvimento das atividades propostas. Sendo dotado de uma capacidade acima da média para a argumentação (principalmente nos casos de AH linguística ou interpessoal) e de uma autonomia para o estudo, o aluno com AH/SD pode apresentar relutância em seguir instruções ou ordens, ou mesmo fazer exercícios, que ele veja como inúteis ou sem sentido, o que exige uma constante flexibilização do professor quanto às atividades que por esse terão de ser realizadas, bem como paciência para a negociação que não costuma ser exigida por alunos típicos.

Outro fator que se deve levar em conta é a tendência que o aluno com HA/SD apresenta em focar em determinado assunto de seu interesse, não se disponibilizando voluntariamente ou não se sentindo motivado a investigar/estudar/aprender outros conteúdos. É importante, então, ao professor estar atento a esses interesses e partir deles para levar a atenção desse aluno ao conteúdo curricular proposto, aproveitando a sua alta capacidade de concentração.

Da mesma forma como a AH/DS pode acarretar conflitos no relacionamento do aluno com um professor mais despreparado, tal excepcionalidade pode influenciar em um relacionamento negativo do aluno que a porta com seus colegas. Cabendo também ao professor fomentar um convívio saudável entre esses alunos, trabalhando em cima de atividades que prezem pela interação social e construção coletiva do conhecimento.




REFERÊNCIAS

- BRASIL. Saberes e práticas da inclusão : desenvolvendo competências para o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com altas habilidades/superdotação. Brasília : MEC, Secretaria de Educação Especial, 2006.

- GAMA, Maria Clara Sodré S. Educação de superdotados: teoria e prática. São Paulo:
EPU, 2006.

- METTRAU, Marsyl Bulkool & REIS, Haydéa Maria Marino de Sant’Anna. Políticas
públicas: altas habilidades/superdotação e a literatura especializada no contexto da educação especial/inclusiva - Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 15, n. 57, p. 489-510, out./dez. 2007.

- RELVAS, Marta Pires. Fundamentos Biológicos da Educação: despertando inteligências e afetividade no processo de aprendizagem. Rio de Janeiro: Wak, 2009.

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